Apenas escrever, me deram essa tarefa. Quinze dias nesse subsolo, trancado e com correntes nos pés. E eles querem que eu escreva. Escreve sobre o que? Mal lembro de tudo o que via lá fora. Lembro num geral, mas meus textos são feitos de detalhes. Uma vez perguntei se poderia escrever sobre o sequestro. Por medo de eu detalhar local, barbas e olhos, cortaram minhas asas. Mas asas para que? O sol não vive faz quinze malditos dias. Ou quinze malditas noites. Nao, aqui não há essa separação. É um purgatório, por onde estão sendo julgados os atos dessas pessoas que aqui me detiveram.
Me alimentam bem. Disso não posso reclamar. São rígidos nos horários tanto de entrega quanto da retirada dos objetos. Em quinze dias, ainda não trocamos uma palavra. Tudo o que quero dirigir a eles, tem de ser por meio impresso. Eles me deixaram essa máquina de escrever aqui e, sempre que me veem ou quando eu demonstro que desejo falar-lhes algo, apenas dizem: escreve.
Décimo sétimo dia
Hoje eles começaram a ler meus primeiros rascunhos. Olhavam atentamente e sublinhavam algumas coisas nas folhas, mas não me mostravam o que. Pediram-me para reescrever os originais, sem ao menos vê-los. Eu teria cinco dias.
Vigésimo dia
Hoje uma integrante, pela primeira vez, falou comigo. Ela tinha uma voz calma. Seu objetivo era acalmar-me, mas nada disso me assustava. Obviamente não desejo passar mais um segundo aqui, mas nada disso me causa medo.
- Você precisa escrever. Essa é a chave para sair daqui.
- Mas o que vocês querem que eu escreva? Não seria mais fácil me dizer?
Ela apenas me olhou, levantou uma parte da máscara, sorriu e partiu, perguntando: “Todos os gênios são mesmo loucos”?
Aquilo me enfureceu por duas horas. Hm, eles haviam me dado um relógio na manhã desse dia. Minha fúria durou exatamente duas horas. Não escrevi mais nesse dia. Ou eles ofendiam meu talento ou se julgavam geniais por essa ideia imbecil de trancar um escritor num quarto abafado. Fui dormir.
Vigésimo nono dia
Hoje eles disseram que chegaria uma pessoa nova aqui e pediram para eu voltar a me barbear. Desde o dia 22 eu decidi parar. Para quê barbear? Nada daqui faz sentido. Já estou aqui há um mês e nada acontece...
Trigésimo dia
Ela está deitada desde que chegou. Não levanta e nem se mexe. Já fazem três hor....
Trigésimo primeiro dia
Eles ontem quase me pegaram escrevendo esse diário. Entraram e construíram uma espécie de aquário, uma divisória de vidro que ficou entre nós. Podemos nos olhar, mas não nos ouvir ou tocar.