28 de junho de 2019

Alzheimer

eu limpo sua mesa
saí com um sorriso no rosto
levei bombril produtos e bom papo
atrás de uma boa gorjeta
eu não sabia quem estava atrás daquela mesa
quem estava lá não conhece quem está atrás deste avental
e quando achar que conheceu
sou outro
não
sem esse papo de eu ser alguém altamente complexo
meu complexo de inferioridade não me permite esses

luxos
mas quando essa pessoa me conhecer
serei só outro zé
sim prazer meu nome é zé
eu disse a ela
e então ela virá outros dias e me chamará pelo nome
oow zé isso oow zé aquilo
teremos trocado nomes mas nunca identidades
- Mas... Zé de... José? José de quê?
rsrs alguns deles gostam de querer que os achemos mais especiais que os outros
tanto tempo que não me perguntam sou josé sim
josé das flores prazer
- José das Flores... se importa se eu olhar seu RG?
meu rg o que essa menina quer com meu rg
e não se enganem isso não tem nada a ver com identidade
e aqui provavelmente não trocaremos sequer essa identidade
com que cara eu iria pedir para ver a dela
qual o nome dela mesmo
- Débora!
débora sim ela me disse enquanto eu buscava a identidade oooow palavrinha maldita na minha carteira
entreguei meio receoso pq foto três por quatro nunca sai lá essas coisas já tive momentos melhores
ela começou a chorar
soluçando pegou na bolsa sua identidade e com um sorriso no rosto me mostrou
não é que a foto três por quatro daquela menina era a coisa mais linda que eu já havia visto
rsrs primeira vez que eu troco identidade com alguém e a pessoa chora
mas eu não havia trocado identidade alguma
- Pai! - Disse ela aos prantos.
E então, ela devolveu a minha.

27 de junho de 2019

O último circo

"As crianças já não acreditam mais em mágica". Essas palavras ecoavam na cabeça de Dimitri, que seguia pelas ruas desertas em direção à sua casa:
- "Dimitri, me perdoe. Seu números não tem mais trazido público. Você falou tanto sobre essa porra desse tanque de água e, na primeira noite, ela já começa a vazar. É uma merda, mas tenho de te dispensar. Pra tu não sair no preju total, eu pago o carreto pra levar essa coisa embora. Depois me passa teu endereço pelo telefone". 

Dimitri não tinha o telefone. Ficava triste por deixar Helen, sua nova assistente, na mão.
As ruas eram iluminadas na mesma intensidade de suas esperanças. Ele mal conseguia enxergar. 
Passou pela portaria. Abriu a porta de sua casa. Desabou num choro silencioso. 

Os dias passaram com ele assistindo a gravações de suas antigas apresentações. Eram sempre o mesmo: Uma música, daquelas características de circo, comunicava o início do espetáculo. Um homem anunciava: "Reeeessspeitável púúúblicoooo!...". Então ele olhava o público, colocava sua cartola, e iniciava seus truques.

Uma semana se passou com essa rotina, e então recebeu sua primeira ligação. Era Eddie.
- "Cara, me escuta. Tu tem de voltar à vida. Tô aqui no Divina's, bicho. Traz aquela gravação tua aqui que eu vou tentar descolar alguma coisa num show de variedades ou, sei lá... Chega aqui, toma uma cerveja, nós falamos mal do imbecil do seu ex chefe..."

Suspirou. Levantou do sofá. Pegou a cartola que havia deixado ao lado da TV e a jogou no lixo. Se olhou no espelho e quase não se reconhecia. Tomou um banho e saiu.
- "Senhor Dimitri? Sua caixa de correio parece cheia. Se você tiver a bondade de esvazia-la antes de sair".
A caixa realmente estava estufada. Ele deveria ter agradecido a Dona Amelie. Fará isso na próxima vez que a ver.
Enquanto se aproximava, a caixa começa a ranger. Dimitri se assusta com a música do circo que, de agora em diante, começa a tocar de forma distorcida. Pensa ter deixado a porta de seu apartamento aberta. Ele ajeita seus óculos e abre a porta da caixinha. Escuta: "Reeeessspeitável púúúblicoooo!..." De dentro do correio, sai uma pomba voando. Assustado, retorna seus olhos e vê um enxame de pombas saindo da caixa. Uma última entala e começa a se bicar. Com raiva. Com sangue escorrendo de seu corpo. Dimitri sai correndo.

- "Hahahaha. Então a molecada do prédio tá sacaneando contigo, Dimi. Hahaha. Essa foi boa pra caralho, bicho! Toma mais uma. É por minha conta."
Mais algumas cervejas, e Dimitri escuta uma briga vindo do fundo do bar. Ele novamente escuta a música distorcida: "Reeeessspeitável púúúblicoooo!...". Olha para o lado, mas não encontra mais Eddie. Volta seus olhos para a confusão a tempo de desviar da faca arremessada por um dos homens. Sai correndo do bar.

Andando embriagado pelas ruas vazias, vê um animal. Não consegue distinguir ser um leão, um leopardo ou uma loba. Consegue apenas sentir sua alma gelar. Corre com todas as suas forças e começa a ouvir a música. Ele tropeça numa guia e apaga.
...
Acorda em seu apartamento caído no tapete ao lado de sua cama. Sua cabeça dói e ele sente enjoo. Corre para o banheiro a tempo de colocar tudo para fora. Dá descarga. Lava seu rosto, olha no espelho e percebe a cartola em sua cabeça. Ele o retira. Coloca-o em cima da pia. Olha novamente no espelho e lá está novamente a cartola. A música começa novamente: "Reeeessspeitável púúúblicoooo!...". Ele joga furioso sua cartola para longe, e lá está ela em sua cabeça novamente. Pensa estar ficando louco. Sai do banheiro e sente seu coração quase explodir: em sua cama estava Helen com seu corpo serrado ao meio. Trêmulo, ele corre ao telefone.
- "911, qual sua emergência? Alôô? Alô? Alô? Senhor, por favor, pedimos para que não ocupe nossas linhas...".
Dimitri acorda e não reconhece os móveis, o quarto ou sua roupa. Sente dificuldades para se movimentar e para falar. Se sente um pouco mais confortável ao ver um rosto amigo na sala. Era Eddie.
"Caraalho, Dimi. Passei esses três dias te procurando por tudo que é hospital. Você virou pro lado e começou a correr do nada lá do bar. Não se esforça pra falar, bicho. Os caras te deram medicação pesada aqui. Não esquenta, é pro teu bem. Disseram que tu passou por um 'surto psicótico'. Sei lá que porra é essa... Olha só: te arrumei um trampo, hein? Tu sai daqui e já começa direto a trabalhar adivinha onde? Nem em porra de variedade: Tu ta empregado no último circo da cidade, porra!! Aaahn? O dono pediu só pra vc passar lá e mostrar alguns dos seus truques e tá tudo fechado. Trouxe de volta tua gravação, Dimi. Vou colocar e deixar tocando pra te distrair".
O coração de Dimitri começa a acelerar. Ele tenta abrir a boca e balbuciar algo, mas nada sai. Suas mãos imóveis suam. Eddie coloca a gravação no aparelho, Dimitri fecha os olhos e... normal. A música toca de forma normal.  "Reeeessspeitável púúúblicoooo!...". A mesma forma animada de antes. Dimitri relaxa.
- "Bom, Dimi, tô indo. Aah, duas coisas: teu ex chefe consertou e tá querendo saber quando ele pode devolver aquele teu tanque pro truque da água; e eu peguei tua chave pra dar uma passadinha na tua casa. A Dona Amelie reclamou de um cheiro de podre vindo do teu quarto tem uns três dias.", Eddie fecha a porta. 
gravação engasga por três segundos e volta a tocar de forma distorcida. "Reeeessspeitável púúúblicoooo!..."
Dimitri entra em choque. Ele olha pra cima e vê na parede não um, mas a cabeça dos três animais, o observando. Da boca de cada um começa a jorrar água, que aos poucos vai enchendo a sala. Ele tenta gritar para Eddie, mas não consegue. A gravação anuncia:
"E com vocêês, o último truque da noite". O quarto alaga. Dimitri chora. Suas lágrimas se confundem com a água. Ele dá seu último suspiro e se entrega à água.
A enfermeira entra, solta um grito, derruba sua prancheta e chama a segurança. Dimitri, balança no teto, preso ao lustre pelo lençol amarrado em seu pescoço. Seu corpo, encharcado, goteja água em sua cama abaixo, seca.






14 de junho de 2019

Diferentes formas de amor (parte 1) - Onde se vende a vida


- Mas eu não vendo a vida! Eu vendo a ixpiriença. Pra mô de oce vivê.
Então oce ispirimenta essas ispiriença, antes de oceis morrê.
Sem nem mesmo sabê porquê...

E eu que aqui pergunto:
Qual é? Qual é? Qual é?
A experiência da gaiola pra quem tem asas, não pé?
Por quê? Por quê? Por quê?
No meu céu ao léu eu voo. Sou réu sim! De pronto, discorro. Sigo tenso, mas sem decoro: De amor eu mato, eu morro...

O sangue no meu coração tinha ferro suficiente para montar suas próprias grades. Eu te guardei numa caixa: Torácica. A Vênus em minha galáxia dorme bem, numa cama estufada de fé, de uma noite onde quem brilhava era um eclipse. Cessaram-se os pensamentos, era tudo agressão e covardia. E foi nesse dia que Vênus de Milo nasceu, e me trouxe de sua Terra, uma maçã.

- Sorta eu, seu guarda!
Sorta. Sorta!!
- Isola o mau agouro do isolado. Lá fora, nós semo nossos carrasco nessa velha liberdade

- Soltem. Primavera trouxe o alvará
Advogado nem conseguia montar
N'égua leva chumbo leve

- Estou livre do julgamento?
- Devido ao seu parco provento. Vida farta! Povo farto. Eis a Justiça!

Seguimo inda ao relento. Sem pão, só sol e pavimento.
Na seca estufa do peito, hj, só mi cresce bastão do imperador...




5 de junho de 2019

Corra!

Vida me deu limões, passei fome
Tomates e sal comi
Lidar com velhas premonições, Homem
Jigsaw na mente feito por um passado negro, nego, não vivi




Nunca odiei o Scar, coleciono em 3D minhas cicatrizes
Enigma da esfinge no sistema nervoso, então não finge
Cabelo crespo, bolso liso, meu Lalaland é cringe
Observe a altitude antes das piada que "tudo nos atinge"

Tive nadando de braços abertos na lama
Braços fechados era a única coberta na cama
Ganhando likes tamo coberto de fama,
Somando views diferentes de várias miragens no Atacama

Revolução, é claro sinhor, queremos
A tinta da caneta é sangue dos griots. Sim, morremos
Corrompidos, seguindo o fluxo desde a nascente
Heráclito tava errado, pisaram de novo na gente

Daí reclamam e reclamam do uso do erário
"Pra que ações afirmativas se ganham o mesmo salário?"
Cala a boca! Tá de toca? Coisa escrota, caraio
Larga a paleta de cores pra fala de igual com o operário